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domingo, 25 de março de 2012

HISTÓRIAS QUE O POVO CONTA - EM BUSCA DAS BOTIJAS DO TEMPO




Caiu-me no colo essa semana um livro encantado, escrito por muitas mãos (bem hábeis) que sem opressão e com força criativa, bem souberam manusear a tinta azul do tempo e pintar estórias no papel. O livro “Histórias que o povo conta”, escrito pelos alunos do 1º ano da EEEP. DR JOSÉ ALVES DA SILVEIRA passa a ser muito mais do que uma simples publicação que busca relatar causos, pois tem a ver com uma atitude política a ser tomada, que é justamente o trabalho da literatura oral nas escolas. 

A tradição oral é o mote do livro e sua força de produção, são os alunos-meninos que como os artesões no ato de bordar-escrevendo imortalizam as histórias que correm da boca para o ouvido, passam do povo para o povo, de cultura para cultura, macunaimicamente eles as transformam, dando-lhe novas cores, um outro começo, um novo final, sem nunca, porém, perderem sua alma (e como tem alma no livro!), que é a própria cultura da gente.

Dentre os muitos tesouros do livro, me chamaram atenção o grande número de narrativas ligadas as Histórias de Trancoso que são a partir de um dialogo migratório entre os tempos, as hoje bem populares Lendas Urbanas, prova mais do que viva de que as histórias não morrem, apenas se transformam, é o que se percebe, por exemplo, nos causos relatados em “O monstro bate à porta” – “O homem que virava bicho”“A loira da Barragem” – “A mulher da estrada”.

Esse dialogo fica bem condensado no texto “O Barulho Misterioso”  onde o narrador  logo nos confessa  assistir ao filme de terror pop da cultura americana “Olhos Famintos” no dia anterior ao ouvir o tal barulho misterioso que o viria a assombrar. Essa conversação entre as botijas de ontem e do hoje é a grande virtude do livro.

Usufruindo da linguagem simples, os artesões retalham na língua do povo, para assim, com a criatividade e irreverência típica da meninice, costurar e colocar no papel o que foi ouvido.

Os autores aterrizam discos voadores, correm com medo da perna cabeluda, do lobisomem, da porca preta, topam com a caipora, matam aula para insultar a loira do banheiro, fazem bicho virar gente, e gente virar bicho, inventam um bode cego que ensina como deve ser a relação homem-natureza. É ler para crer.

Nos causos-contos-anedotas que o livro nos oferta, a tradição oral popular, funciona numa mistura de personagens, enredos, mitos, épocas e lugares, sendo que a cada nova entoação as histórias são enriquecidas, pois quem “conta um conto aumenta um ponto” e ninguém narra uma história de mãos amarradas: o gesto é inevitável para os artesões da palavra, que tão bem souberam ouvir dos mais velhos para agora nos contar.

Bruno Paulino é Graduando em letras pela Feclesc/UECE. Cordenador do Projeto Papo Cultural promovido pela ONG IPHANAQ e autor do livro "Lá nas Marinheiras e outras crônicas". Escreve aos domingos como colaborador no Blog osertaoenoticia.com na categoria O SERTÃOEM PROSA.

2 comentários:

Mais uma vez o Bruno nos brinda com uma prosa poética para um bom dia dominical. Mas hoje ela tem um valor exponencial; se refere a esperança de que a cultura popular e a boa literatura resistem e persistem em nossos futuros profissionais, graças a iniciativas como esta da E. E. P. Dr. José Alves da Silveira. Novos Brunos estão por vir, nos brindando com alimentos para alma, como é o livro "Lá nas Marinheiras e outras crônicas. Terezinha Oliveira.

O liceu de Quixeramobim também publicou um livro onde registra as histórias orais do nosso povo. o mesmo intitula-se: Casos e causos: um encontro da cultura popular. Recentemente, o livro foi transformado em um blog que pode ser acessado no endereço www.casosecausosliceu.blogspot.com
Acessem! As ilustrações também são dos alunos.