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domingo, 22 de abril de 2012

SAUDADES DOS CABELOS BRANCOS


IMAGEM: INTERNET

“Ninguém viveu a vida que eu vivi/Ninguém sofreu na vida o que eu sofri”                            
    (Silvio Caldas)

Vi uma senhora de cabelos brancos num supermercado outro dia fazendo compras (ela comprava xampu). No meio de um monte de jovens, crianças e velhos que também estavam no recinto fazendo compras, sua cabeleira contrastava com todo aquele colorido do local e das mercadorias, e lógico, também contrastava com os cabelos cheios de cor das outras pessoas – calma leitor, eu sei que o branco também é uma cor - fiquei olhando para ela admirado, pois hoje em dia, quase ninguém se permite ter cabelos brancos, é preciso pintá-los, para assim maquiar a ação de Cronos sobre nós pobres mortais. Cabelos brancos outrora tão bonitos, hoje são feios. Não se pode envelhecer nesse mundo!?

A senhora de cabelos brancos que estava ao meu lado parecia-me tranqüila. Segura de si, com um ar de experiência, paciência, exalando uma ternura antiga no jeito de ser e de agir que realmente a fazia digna e dona de seus cabelos brancos. Diferentemente da senhora que fiquei observando, eu acabei me sentido inseguro quanto a minha velhice e passei remoer os questionamentos que tomaram conta de mim enquanto decidia qual marca de xampu levar para casa (convenhamos que essa nunca seja uma decisão fácil de ser tomada quando se trata de um comprador ingênuo como eu): Quando vierem meus cabelos brancos, como serei?

Bom, quando eles vierem realmente, não tenho como saber como serei. Gostaria, contudo de ter a certeza de que meus sonhos de velhinho serão os mesmos de quando menino. Queria sentir que nunca deixei de ser o menino de cabelos encaracolados (que por mim poderiam ter sido brancos, como as nuvens desde que nasci). Seria legal lembrar-se de uma vida sem muitas regras, nem grandes histórias. Uma vida realmente minha, só minha. E nessa vida só minha, mas feita e composta de muitas outras vidas (e coisas) que trouxe comigo, o que tem que ter valido a pena viver são os sorrisos sem nome, as risadas sem motivo, os abraços de quebrar costela, os amigos que são poucos, porém verdadeiros, a família (oh, não consigo me livrar desse discurso velho e clichê! Clichê e sincero – coisa mesmo de cabelos brancos), e todos que me levaram pra frente nesse mundo que gira cada vez mais veloz. Ah! Mas, que importa a velocidade do mundo para quem tem cabelos brancos? Quem tem cabelos brancos, também não tem pressa.

Gostaria que meus cabelos brancos se sentissem ainda escuros, sentissem o charme ágil de quando paro para enrolá-los em caracol com o dedo, como quem captura um pensamento e saí divagando no tempo olhando para trás naquela doce intenção do... Como é mesmo o nome? Foi quando mesmo isso aí? Ah, a essas alturas não me lembrarei dos detalhes de velha calça desbotada ou coisa assim, talvez as coisas venham a sumir na longa estrada, como diz a canção do Roberto Carlos...

Quando tiver cabelos brancos, vou aprender a olhar pra dentro de mim e esboçar um sorriso sonhador. Deve ser assim que gente de cabelos brancos sonha. A senhora que fazia compras ao meu lado no supermercado sorria como quem sonha, como quem está olhando pra dentro e filtrando as dores choradas (pois as lembranças não podem, deveriam ser, mas não são, só maravilhas). Então, todo o resto do tempo irei reviver as noites passadas com música boa, boa companhia, boa cerveja, bons livros e as boas saudades. Saudade de quem mora longe, saudades de quem não se impõe distâncias. Descobri enquanto comprava xampu e observava à senhora (que não sei quem era) que o segredo dos bonitos cabelos brancos é a saudade. Quando tiver cabelos brancos não terei vergonha deles (nem das saudades).



Bruno Paulino é Graduando em letras pela Feclesc/UECE.
Cordenador do Projeto Papo Cultural promovido pela ONG IPHANAQ.

 
Escreve aos domingos como colaborador na categoria O SERTÃOEM PROSA


2 comentários:

Ao ler a sua cronica, lembrei-me de uma citação de Humberto Gessinger: Poemas seriam perda de tempo?
E notas de rodapé?

Se ainda vale a matemática
que me ensinaram,
dois números negativos
multiplicados
resultam num número positivo.
Espero que
uma perda de tempo
ao quadrado
seja um ganho... de tempo.

Parabéns,
Vinda de uma pessoa tão jovem, pode ser que sirva para reflexão na maneira de encararem os mais idosos e aprender a tratá-los com respeito. É incrível como não dão atenção a eles nos supermercados, já vi um idoso desistir de pedir a carne por não ter quem lhe dê atendimento em detrimento de mulheres mais jovens. Estou cansada de interferir nas filas em favor desse povo por má vontade dos funcionários em esclarecê-los devidamente. Parabéns!!!