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domingo, 29 de abril de 2012

UM CRONISTA ENTRE MARINHEIRAS E NOVA IORQUE

Bom amigos, resolvi não escrever a crônica este domingo (na verdade eu não consegui), mas pra você não ficar sem leitura (se é que você lê as crônicas), no lugar de um texto meu segue abaixo um texto sobre o Livro de minha autoria "Lá nas Marinheiras e outras crônicas.'' (Bruno Paulino)
 O livro de estréia de Bruno Paulino, intitulado Lá nas Marinheiras e outras crônicas, encena, no seu conjunto, um tema muito caro aos escritores, sobretudo para aqueles que se dedicam a escrita de crônicas, a saber, a passagem do tempo e sua relação com o espaço.
 A cidade de Quixeramobim é o cenário, o palco, o público, os atores e as atrizes de um narrador dividido entre uma cidade interiorana, quase mítica, distante, charmosa, cantada em verso e prosa pelos mais velhos, pelos livros e pelas canções, e uma Quixeramobim contemporânea, com os problemas sociais, econômicos e psicológicos de uma urbes em desenvolvimento, aberta à industrialização e às mudanças bruscas de sentido.
A linguagem simples e escorreita de Bruno Paulino, na realidade, esconde o conflito de um cronista provinciano que já não acredita tanto na solidez e na continuidade da memória, do imaginário, dos hábitos e dos costumes desta mesma província. Como o narrador vive este conflito e por Bruno saber que a literatura não intenta resolver nada, a fatura das crônicas tende a não cair nem num saudosismo piegas e elogioso ao tempo passado, nem numa propaganda do futuro. Este equilíbrio, movido por aquela tensão, é essencial para tornar o livro de Bruno um livro maduro, sem ingenuidades, embora, aqui, acolá, o “cronista da província” vença e exalte a Quixeramobim que não existe mais ou que, de fato, nunca existiu: “E de repente me dou conta que eu nasci num mundo assim bem louco, cheio de tecnologia e facilidades (e desigualdades também), pois quando me entendi por gente, o sertão já não era realmente o mesmo daqueles que diziam “olhe, na minha época não era assim...”.
 De certo modo, a expectativa de um leitor que se depara na estante com o livro Lá nas marinheiras, publicado por um autor quixeramobiniense ou quixeamobiniano (não sei), é, possivelmente, encontrar um livro de “coisas do sertão”, com personagens caricatos, em situações pitorescas, rodando numa cidade cheia de improvisos. Como falei, a expectativa é em parte frustrada, pois logo na primeira crônica, a que dá título ao volume, o narrador confessa nunca ter matado passarinhos, de ser ruim de pontaria, embora seu pai fosse exímio atirador de baladeira, para daí citar Mário Quintana, Fausto Nilo e a obra de Cândido Portinari. Aliás, o livro é recheado de referências a uma cultura letrada e metropolitana, são inúmeras as citações ao repertório da música popular brasileira e a autores da literatura ocidental, porém também são inúmeras as referências a figuras e pensamentos de poetas populares ou de figuras do povo, como Quintino Cunha, Dona Carminha e um tal Carro Velho (o rei dos elogios), “um sujeito arcaico-saudosista-tecnológico subjetivamente qualificado”.
 Este conflito temporal, sentido por um narrador sensível que ainda se regojiza com a sombra de um pé de cajá também perpassa a linguagem do cronista. Aqui, está, talvez, a encenação maior das contradições por que passa a persona criado por Bruno Paulino. Como, no nível da linguagem, equilibrar o lirismo próprio das recordações idílicas com o niilismo contemporâneo? Principalmente nas crônicas familiares a linguagem não escapa de certo travo romântico: “Essa é a historia de meus avós paternos, com a espontaneidade de uma conversa de alpendre meu pai a narrou para mim num fim de tarde, norteando-se por juazeiros, no ritmo dos riachos, percorrendo brenhas, procurando rastros nos caminhos e nas veredas da memória, como se a historia tivesse ali - posta em colcha de retalhos - e pudesse ser manipulada por suas palavras. E assim foi”. Por outro lado, a graça do livro está nesta liberdade em trabalhar o local e a expectativa local com desconfiança.
Ao lado desta tensão, o livro gera também interesse por trazer recortes da história de Quixeramobim, como as cheias, a vinda de Manuel Bandeira para se tratar de tuberculose, a visita recente de Ariano Suassuna à cidade, os sete anos de estadia do poeta e rábula Quintino Cunha, além da valorização da zona rural, como o poço Marinheiras e a Serra do Cruzeiro. Em tempos em que a memória está cada vez mais curta e as pessoas não tem mais tanta paciência de ouvir umas as outras, o livro de Bruno resiste: “Das historias, uma contadora, Dona Carminha também discute e opina sobre coisa séria como preservação do patrimônio histórico de nossa cidade, incluindo o recente caso da demolição do prédio da antiga farmácia localizada no centro da cidade, deixa sua sabia opinião “Eu era menina já conhecia a Farmácia São Pedro daquele jeito, o que dinheiro num faz né?” E ri, em compaixão, dos que produzem monumentos de concretos, em vez de castelos de memórias onde se erguem verdadeiras fortalezas de amor ao próximo, esculpidas delicadamente por almas suaves como a de Dona Carminha”.
 Dizem que um escritor só se torna escritor a partir do segundo livro, porque é sinal de que ele não desistiu. Se Bruno insistir (como ele deve e eu acredito) o seu maior desafio será aprofundar estas contradições no nível da linguagem, torná-la mais visceral, contundente, irônica, dúbia, pois ele tem nas mãos, além do talento, um foco muito interessante para se trabalhar, mas isto só o Tempo (Cronos) poderá devorá-lo.
 Rodrigo Marques Poeta e Professor, Doutorando em Literatura pela UFC.

1 comentários:

Não li o livro de Bruno, mas tenho certeza pelo que já ouvi falar e já li alguns trechos do livro, ele escreveu direitinho como era, as pessoas que fizeram parte e até hoje de uma certa forma ainda fazem, de como ele encontrou, de como ele soube cada detalhe, as pessoas que contribuíram prá que toda essa história fosse contada por ele foi de grande importância. E acho que ele não precisará escrever o segundo livro prá provar que é um bom escritor, sou leiga nesse assunto, mas, ele tem carisma, emoção, mesmo as coisas engraçadas que ele escreve e a gente fica sempre esperando o que vai vim, pois é sempre uma surpresa cada palavra que vem uma após a outra. Ele é muito bom!!!! de verdade!!!