S: DIVULGAÇÃ0
O Natal está chegando e com ele o cortejo do Mestre Piauí ganha as ruas de Quixeramobim em busca de oferendas para o Menino Jesus. Rei, rainha, o Careta, a Catirina, guerreiros, índias pastorinhas e brincantes percorrem no imaginário, o caminho da viagem dos reis magos, Baltazar, Belchior e Gaspar, a Belém, para encontrarem o filho de Deus. À frente desse cortejo, o mestre rezeiro comanda sua trupe pelos bairros da cidade, anunciando em festa o nascimento de Cristo, ainda por vir. Enquanto noutros cantos esse ritual começa na noite de 25 de dezembro, e segue até o sexto dia de janeiro, a tradição local se estende pelo derradeiro mês do ano. É a Folia de Reis, acompanhada do boi, da ema, da cabrinha, da jumentinha e do jaraguá, entoando por todos os cantos cânticos herdados de geração a geração.
Antes de partirem, um encontro no terreiro do Mestre Piauí. Apesar de repetirem por todo o ano praticamente os mesmos passos, quando o Natal chega é preciso um pouco mais de afinação, uma vez que o homenageado desta época do ano é muito especial. Além do Mestre, do rei e da rainha, muito alinhados, os súditos brincantes, principalmente as meninas, capricham no embelezamento; a Catirina exagera. O único despojado no cortejo é o Careta, sempre assanhado e maltrapilho. Ele representa os soldados do rei Herodes, em Jerusalém, à procura do pequeno rei para matá-lo.
No rito Jesuíno, como alguns chamam o folguedo desta época, o boi, um dos principais do Reisado no resto do ano simboliza o recém-nascido. Por esse motivo, da noite de Natal até o Dia de Reis, 6 de janeiro, fica escondido.
Arrasta-pé
Enquanto isso, no terreiro, não demora muito para a poeira subir com o arrasta-pé no chão de barro. É sinal de começar a peregrinação de porta em porta, levando a cultura e a tradição nordestina. Os mais dispostos acompanham ruas abaixo, ruas acima. Quando param na porta de alguém são recebidos com aplausos. Os mais velhos fazem saudações religiosas. Alguns abrem apenas as janelas para entregar as oferendas. Outros escancaram as portas e acendem as luzes para receber os brincantes com um banquete muito especial. A caminhada é exaustiva. Tem sido assim desde criança, lembra o Mestre Piauí. Mas para abrir os corações da vizinhança e suas casas é preciso cantarolar a saudação:
"Ó de casa/ Ó de fora/ Quem tá dentro sai pra fora/ Vem ver o Santo Reis / Que chega aqui, agora/ Esta casa/ Está bem feita
Por dentro, por fora não/ Por dentro cravos e rosas / Por fora manjericão".
Na despedida não é diferente. Enquanto a meninada se aproxima para ver as palhaçadas da Catirina e vaiar o Careta, a eminha, a cabrinha e a burrinha de aconchegam ao lado do Mestre do Reisado. Não é só carinho não, embora encobertas por tecido fino e leve as carcaças são feitas de ferro. A do boi chega a pesar mais de 20 quilos. Para disfarçar o cansaço fingem estarem dormindo. Mas não demora pouco é hora de despertar. Cada apresentação demora mais de meia-hora, a noite é longa e alguns ainda têm trabalho na manhã seguinte. É hora de se despedir: A Deus nosso amor / Até para o ano/ Se vós vivo for / O nosso bloco não é desigual/ Adeus amigo/ Não há outro igual".
Esse ritual se repete há mais de meio século na mais antiga cidade da região Centro do Estado. A tradição é preservada graças ao folclorista Antônio Batista da Silva, hoje com 72 anos, o Piauí, um dos Mestres da Cultura do Ceará, cujo pseudônimo herdou dos avós. Mas segundo ele, o comando da folia de reis na sua terra natal foi conquistado graças ao auxílio da família e de dezenas de colaboradores.
Paixão
Todos são voluntários, na maioria crianças e adolescentes apaixonados pelo colorido dos trajes e também fascinados pela bicharada do folguedo. A maioria ficava a observar o ensaio dos mais velhos. Criaram gosto e resolveram entrar na brincadeira. O ponto alto da Festa de Santo Reis, como o mestre costuma tratar o folguedo do ciclo natalino, é a matança do boi, dedicada aos Reis Magos.
Deles, sabe apenas os nomes e o motivo da homenagem, por conta da visita dos nobres à manjedoura do Menino Jesus. A representação costuma ser feita nos terreiros, geralmente diante de uma imensa plateia. Dependendo do agrado, às vezes repetem a apresentação, principalmente nos aniversários, quando recompensa financeira para manter os trajes e pagar as despesas de deslocamento.
Aniversário
No penúltimo dia do ano, 30, quem abre as portas para o Mestre Piauí e seu cortejo é o professor historiador Ailton Brasil. Será momento de comemorar o oitavo aniversário da filha, Ana Luzia, e reunir os familiares, amigos e outros apaixonados pela cultura nordestina para apreciar um dos momentos mais belos de demonstração da manifestação de nossas raízes colonizadoras. Quem quiser pode ir assistir o espetáculo, na rua Pedro Teles de Menezes, 134, no bairro Duque de Caxias. Ailton Brasil é o atual presidente do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico e Natural de Quixeramobim (Iphanaq).
MAIS INFORMAÇÕES
Reisado do Mestre Piauí
Telefone: (88) 9466.7988
Iphanaq - Sertão Central
Telefone: (88) 9998.7434
HISTÓRIA E PERSONAGENS
Mestre e Reisado de Boi preservam as tradições
A festa chegou ao Brasil através dos colonizadores portugueses e se disseminou pelo País
Quixeramobim. Em seus estudos sobre o folclore brasileiro, o historiador, antropólogo e jornalista Luís Câmara Cascudo, considerado um dos maiores pesquisadores da cultura popular nacional, cita o Reisado como a dominação erudita para os grupos que cantam e dançam na véspera e Dia de Reis. Essa manifestação cultural chegou ao Brasil através dos colonizadores portugueses. Ainda conservando a tradição em suas pequenas aldeias, celebrando o nascimento do Menino Jesus, conhecida como Reisado ou Reseiro.
O Reisado é uma espécie de revista popular, recheada de histórias folclóricas, mas sua essência continua a mesma, com uma mistura de temas sacros e profanos. A denominação de Reisado persiste ainda na maioria dos estados do Nordeste. Entretanto, em algumas regiões o folguedo é chamado de Bumba-meu-boi, Boi de Reis, Boi-Bumbá ou simplesmente, Boi. O solista dos cânticos não muda, é sempre o Mestre, respondido pelo coro a duas vozes, geralmente acompanhados pela sanfona, a zabumba, a viola, a rebeca ou violão, o ganzá, pandeiros, pífanos e os *maracás* e chocalhos feitos de lata, enfeitados com fitas coloridas.
Herança colonial
Segundo pesquisadores e estudiosos o Reisado instalou-se preliminarmente em Sergipe no período colonial. Atualmente é dançado em qualquer época do ano, os temas de seu enredo, variam de acordo com o local e a época em que são encenados.
À medida que foi se enraizando no país, Nordeste adentro esse pacote cultural foi recebendo algumas transformações, mas sem perder sua essência espiritual do Natal.
Assim, a essência permanece, mas alguns modos e personagens variam de um lugar para o outro. Classicamente, o Mestre, o contramestre o Rei, a Rainha, o Careta os guerreiros não podem faltar. Não é diferente no Reisado do Mestre Piauí, onde o Boi, a ema, o Jaraguá e outros bichos acompanham o cortejo .
Na opinião do Mestre em História, Danilo Patrício, na medida em que traz, no chamado ciclo natalino cristão, o enredo que tem como personagem o boi de dançar, morto pelo vaqueiro em nome do desejo feminino de comer o coração do Boi, constroem-se experiências de promessas para o Santo Reis, como se referem os brincantes da festa ao rei negro Baltazar, um dos três que presenteiam o Menino na liturgia cristã.
Ele ressalta que a festa do Reisado encerra-se anualmente com um banquete na casa do Mestre, onde são consumidas as doações do período na ¨tiração de reis¨- comida e bebida -, incluindo arrecadação no comércio da cidade, e as contribuições de quem comparece ao almoço final.
Para o estudioso as muitas ofertas contribuem para a concretização de um banquete comunitário numa festa de pobres que se mistura com as demais forças da cidade, entre conflitos e alianças. Cânticos, coreografias e indumentárias possibilitam perceber na festa de hoje agregação de outros repertórios, como as congadas e os curiosos caboclinhos.
Os relatos orais de hoje atingem o início do século XX. São preservados pelos Mestres da Cultura, "tesouros vivos", pessoas e grupos artísticos que recebem um salário mínimo da Secretaria da Cultura do Estado (Secult) como apoio para a manutenção das atividades culturais tradicionais.
O Reisado do Mestre Piauí é formado por 26 figuras folclóricas, como o Mestre, Contramestre, Rei, Rainha, Catirina, Catirina, Guereira e Índia.
ALEX PIMENTELColaborador
COM INFORMAÇÕES DO JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE
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