“... Palavra, palavra (digo exasperado) se me desafias, aceito o combate.” (Carlos Drummond de Andrade)
Bruno voltou para casa naquela manhã muito entusiasmado, naquela vez daria certo. Já havia tentando várias vezes e não tinha conseguido nada. Algumas horas mais cedo ele resolvera dar uma volta no quarteirão para tentar se inspirar e respirar ar puro (mas, que pura ilusão). Observando as pessoas na praça, sempre unidas, alegres, felizes (ou pelo menos aparentavam estar) naquele sábado ensolarado, Bruno percebeu que estava sozinho. Sozinho mentalmente, como homem, e não fisicamente. Afinal de contas, não é esse o pior tipo de solidão, quando você está rodeado de pessoas que te fazem sentir apenas mais sozinho? Era essa a idéia, era sobre isso que ele escreveria.
Preparou o café (mentira, foi leite com Nescau, mas café é mais romântico e decadente), esquentou alguns pedaços de pão do dia anterior para que eles amolecessem (pois a vida de cronista não lhe permitia comprar pães todos os dias), comeu. Queimou a língua - o café estava demasiadamente quente – Opa! Digo leite com Nescau (as mentiras assim como as palavras às vezes nos traem, leitor), mas isso não importava, pois, acontecia todos os dias. Sentou na frente do notebook e parou. Pensou nas palavras, que deveriam ser bem escolhidas. Pensou em como escrevê-las, pensou numa maneira de tele transportar o seu sentimento para a tela. Não conseguia. Ele, cronista de quinta, se formando em letras numa faculdade até boa, não conseguia escrever, pois as palavras escapuliram de sua mente e insistiam em não voltar. Para onde diabos vão às palavras quando a gente precisa delas?
Bruno começou a se desesperar - quase fez uma oração para o Rubem Braga, que acreditava ser o santo protetor dos cronistas. Ele precisava do texto pronto até meio dia e já eram 10:00 horas, e embora soubesse que não conseguiria, tentou manter-se calmo a fim de não prejudicar o seu trabalho. Mas, o problema não era com ele. As idéias estavam formadas, ele sabia sobre o que escrever, as palavras é que de uma forma estranha se revoltaram contra sua pessoa. Então pensou: As palavras são que nem as mulheres, elas te deixam confuso e intrigado o tempo todo, e você já não consegue nem dormir pensando nelas – não soube bem ao certo o porquê, mas achou o raciocínio machista.
Desligou o computador, pegou papel e a caneta, fez um ponto. Ora essa, não se começa frase com ponto, não na língua portuguesa. Outro papel, outro ponto. E mais outro, e outro. Um rabisco, uma vírgula e um ponto. No meio, a palavra benevolente que lhe dera o ar da graça: "Impotência". Impotência descritiva, impotência narrativa, impotência descritiva. IMPOTÊNCIA diante das palavras, que seja.
Ele não conseguiria escrever naquele dia, e ele sabia disso desde o começo. Então resolveu desistir. Já que por certo insistir só lhe daria dor de cabeça. Jogou fora o papel, ligou para o careca barrigudo do seu chefe, inventou uma mentira estapafúrdia, era sua última chance de não perder o emprego de quinta (já que o chefe o vinha pressionando bastante). Contou que não pudera escrever nada, e que estava com dor de barriga (os chefes sempre acreditam quando a desculpa é dor de barriga), justificou que escrever nem é tão fácil assim, pois requer atenção e cuidado, o que ele, de fato, não podia dar as palavras naquele dia (e naquela situação) - a não ser, é claro, que o chefe e, sobretudo os leitores, quisessem uma crônica sobre ir ao banheiro.
Bruno Paulino é Graduando em letras pela Feclesc/UECE. Cordenador do Projeto Papo Cultural promovido pela ONG IPHANAQ e autor do livro "Lá nas Marinheiras e outras crônicas". Escreve aos domingos como colaborador no Blog osertaoenoticia.com na categoria O SERTÃOEM PROSA.
3 comentários:
Esse menino sabe brincar mesmo com palavras e com assuntos que as vezes achamos tão bobos, mas ele sabe transformar tudo isso numa bela leitura!!!
Um vagabundo burguês nato metido a intelectual usando da metalinguagem pra falar de suas angústias diante do poder de fuga das palavras.
Ainda Drummond: "Lutar com palavras é a luta mais vã,
entanto lutamos, mal rompe a manhã.
Bela crônica!
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